sábado, 5 de julho de 2014

Andróides sonham com ovelhas elétricas? (1968), de Philip K. Dick

Decard na adaptação do livro para o cinema (Blade Runner).
Segundo livro que li de Philip Dick, imediatamente após O Homem do Castelo Alto (escrito em 1962 e que revela um sinistro mundo onde os países do Eixo conquistaram a Segunda Guerra Mundial. Em "Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?" estamos em 1992, anos após a Guerra Mundial Terminus, a qual provocou a morte de um grande número de pessoas, plantas e animais. Dentre os que sobreviveram, a maior parte emigrou para planetas colonizados, com o auxílio de androides, e a outra parte, residente na Terra, era classificada em Normais e Especiais. Estes, indivíduos de inteligência inferior afetados pela Poeira, eram proibidos de emigrar, enquanto aqueles, além de deter essa permissão, podiam até mesmo se reproduzir desde que dentro das cotas estabelecidas por lei. A humanidade vivia o ápice da sua desagregação e deterioração.

Na trama, seis androides Nexus-6, um modelo com semelhança física idêntica à humana e com preparo intelectual superior, à exceção da capacidade emocional, os quais serviam de escravos no apoio à colonização de Marte, conseguiram escapar e refugiar-se na Terra. Caçadores de recompensa tinham a permissão para "aposentar" as máquinas e ganhavam um bom dinheiro por isso. Rick Decard é um desses caçadores.

No nosso mundo, ter objetos que poucos têm é um sinônimo de distinção. Um iphone, um computador da Apple, um carro importado, tudo isso são componentes que se estendem e complementam a personalidade humana. No mundo descrito por Dick, não é diferente. Como os animais foram quase todos extintos, ter uma espécie autêntica, de estimação, significa prestígio e privilégio. Aos que não possuem dinheiro suficiente para tanto, a alternativa é comprar réplicas elétricas desses animais. Decard tem uma ovelha elétrica, mas seu grande sonho é ter, tal como seu vizinho, Bill Barbour, seu próprio animal autêntico.

A oportunidade para o caçador de recompensas surge, então, com a fuga dos seis androides para a Terra, depois que um deles, Max Polokov, atingiu Dave Holden, até então o mais preparado caçador da cidade. Decard terá que enfrentar os androides mais evoluídos tecnologicamente até então criados pela Corporação Rosen. 

Ao longo da história, vamos conhecendo diversos personagens que ajudam a decifrar a psicologia por trás desse mundo obscuro e sombrio descrito por Dick e que, não raramente, se assemelha tanto ao nosso. Como não associar o Programa de Buster Gente Fina, um excêntrico apresentador, e sua entrevistada Amanda Werner (convidada dia sim, dia não) com os programas de televisão atuais, como Faustão, em que mudam-se os rostos dos convidados pelo apresentador, mas não a essência, que, sem qualquer individualidade, repetem o discurso de rebanho sob a proteção das conveniências que dão tanta segurança à vida coletiva?

O livro tem momentos espetaculares, mas aquele cujo suspense me deixou mais vidrado aconteceu no meio da história, após a abordagem de Decard ao androide Luba Luft, uma cantora espetacular por quem ele acaba desenvolvendo afeição e admiração após vê-la na apresentação de "A Flauta Mágica", de Mozart. Esse momento de contradição entre o desejo e a missão do protagonista revela uma mente angustiada, mas que, ao final, aceita a condição básica da vida: a de que seremos sempre obrigados a violar a nossa própria identidade. Vivemos enclausurados em caixas que representam as condicionantes impostas a nós e da qual alguns de nós conseguem sair apenas temporariamente.

"O problema dos coelhos é que todo mundo tem um" (Decard)

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