domingo, 29 de junho de 2014

Viver (1952), de Akira Kurosawa

"Eu não posso simplesmente morrer - pois
não sei para que vivi durante todos este anos"
Conheci Viver (1952), do prestigiado diretor japonês Akira Kurosawa, pela crítica fenomenal de Roger Ebert (A Magia do Cinema). O protagonista do filme, Kanji Watanabe, é um dedicado serviçal da burocracia pública, com 30 anos de vínculo e ocupando o cargo de Chefe de Seção. Ao descobrir-se com câncer de estômago, um atestado de morte, passa a refletir sobre o vazio de sua insignificante vida e a buscar, a princípio de forma quase infantil, um significado para o mundo frequentando bares e festas noturnas de Tóquio, ausentando-se por vários dias do trabalho.

A burocracia pública nos é apresentada como um espaço que serve para si própria. Ao invés da construção de soluções para os problemas da sociedade, seus agentes servem a seus próprios interesses, dificultando a mediação de conflitos e agindo de maneira escapista aos que os procuram. Desse modo, a própria atividade laboral do protagonista é vazia e distante da realidade das pessoas, a quem deveria servir. O mundo da burocracia pública, lento e inerte, se choca com a dinâmica realidade do lado de fora.

A vida de Watanabe não deveria servir de espanto à maioria das pessoas cuja rotina é regada de convenções fixadas e reproduzidas ao longo de séculos. O protagonista seguiu à risca as regras socialmente concebidas e adequáveis a si: um casamento, um emprego estável, filho. Na superfície, tudo ia bem, mas no detalhe temos uma família desunida pela morte precoce da mulher e no distanciamento do unigênito, além de um emprego desumanizante que nunca lhe proporcionou um contentamento consistente. Essa é a forte sensação quando nos encontramos na casa de Watanabe ou diante de sua mesa de Chefe de Seção.

Mas serve de espanto pela forma intensa, intimista e emotiva com que Takashi Shimura dá vida ao sofrimento e à angústia do personagem. A consciência de sua vida como um tempo desperdiçado desperta sobre ele um forte componente ético que se expressa na busca de solução para que saia do papel um parque, projeto que, como tantos outros, esbarra na compartimentação do serviço público, onde, no final, ninguém é responsável por nada.

A trajetória de Watanabe até a inauguração do parque e à sua morte nos é transmitida em seu funeral, momentos em que amigos, familiares e colegas de trabalho conversam sobre os últimos meses do Chefe de Seção e sua dedicação é reconhecida por todos os presentes. Não apenas isso, como também conciliam dar consequência aos esforços do falecido. O filme todo é poético e não poderia ter um encerramento mais simbólico: Assim como as fortes impressões sobre o filme se encerram e voltamos às nossas vidas comuns, rotineiras e sem sentido, também os colegas do nosso protagonista retomam aos mesmos hábitos corriqueiros e inúteis de seus empregos públicos.

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