domingo, 13 de outubro de 2013

1900 (Itália, 1976)

Dirigido por Bernardo Bertolucci.

Com Robert Del Niro (Alfredo Berlinghieri), Gérard Depardieu (Olmo Dalco), Dominique Sanda (Ada Fiastri Paulhan), Francesca Bertini (irmã Desolata), Laura Betti (Regina), Werner Bruhns (Ottavio Berlinghieri), Stefania Casini (Neve), Sterling Hayden (Leo Dalco), Anna Henkel (Anita), Ellen Schwiers (Amelia), Alida Valli (Signora Pioppi), Romolo Valli (Giovanni), Bianca Magliacca), Giacomo Rizzo (Rigoletto) e Pippo Campanini (Don Tarcisio).

Geniais: Gérard Depardieu e Robert de Niro nos
papéis de Olmo e Alfredo
Em 1976 o mundo era dividido entre dois blocos de países antagônicos entre si. De um lado, o dos capitalistas, onde o estado de bem estar viria a conhecer sua primeira grande crise naquela década com o aumento de 300%, três anos antes, no preço do petróleo e que os levaria, em 79, à primeira experiência de guinada neoliberal com Tatcher, na Inglaterra. De outro, o dos países do socialismo real, liderado pela União Soviética, cuja grave crise econômica e política que atravessavam resultaria, na década seguinte, nas medidas de abertura conhecidas como glasnost e perestroika.

É nesse cenário em que ou se era "cara" ou "coroa", sem mediações entre um e outro, que Bertolucci produzirá esse belíssimo e intenso filme. Novecento (título original) faz jus ao termo "longa". São mais de 5 horas de produção nas quais se é possível viajar por quase cinco décadas em que transições econômicas e sociais registrariam a ascensão de um dos regimes políticos mais perversos da história da humanidade: o fascismo.

Neste filme de Bertolucci, observamos as mudanças operadas na Itália a partir da fazenda da família de Alfredo Berlinghieri. O marco de repercussão profunda sobre o longa é o nascimento de duas crianças em um mesmo dia: Alfredo Berlinghieri (neto do patriarca) e Olmo Dalco, aquele nascido sob os privilégios da fazenda e, conforme diálogos entre os seus pais, "para ser advogado" e Olmo "para ser ladrão", sob o infortúnios da exploração que submete os trabalhadores a longas e cansativas jornadas de trabalho. As duas crianças consolidarão uma amizade que só será afetada, ao longo da história, pela oposição de origem social que diferenciarão suas vidas.

Como fio condutor do filme, os antagonismos e as polarizações serão uma constante do início ao fim. No almoço da família Berlinghieri, por exemplo, o ambiente é pesado, rígido e de conspiração em torno da herança a ser deixada pelo patriarca. Entre os trabalhadores, o clima é leve e descontraído, em que pese dividirem com duas ou três dezenas de pessoas espaço físico semelhante à meia dúzia da sala de refeições dos donos da fazenda.

Em contraposição à hostilidade e ao egoísmo característicos dos moradores da casa do "patrón", os trabalhadores da lavoura, em vários momentos do filme, se divertem, cantam e dançam e desenvolvem entre eles relações de solidariedade em meio às adversidades da vida. 

Em um primeiro momento, entre os camponeses, nota-se uma recusa à ideia de organização coletiva por direitos, como o que expressa a reação dos demais ao comentário feito à mesa por um lavrador mais jovem que dizia que "- quem entende das coisas vai aos comícios e depois sai por aí pregando a justiça aos pobres e honestos camponeses que se matam trabalhando enquanto os burgueses ricos desprezam o seu suor". Foi ridicularizado.

A ascensão de Giovanni Berlinghieri ao comando da fazenda, após a morte do seu pai, irá ocorrer em um ambiente de crise de produtividade. Após uma forte tempestade que prejudicou a colheita de cereais em pelo menos 50%, Giovanni anuncia aos trabalhadores um corte de metade dos seus salários; "- é pegar ou largar", sentencia. É então que um dos trabalhadores desafia a medida e responde "- quando a colheita dobrar não nos pagará dobrado". O patrão retruca "- Perdemos tudo, não ouviu? E, no entanto, tens orelhas bem grandes". O camponês então, em uma das cenas mais impactantes das várias de "1900", arranca uma orelha e a entrega a Giovanni Berlinghieri.

A partir de então, é possível observar um acirramento na relação entre trabalhadores e patrões, com a primeira greve, as demissões pela introdução da máquina no campo e a posterior ascensão dos "camisas negras", grupo paramilitar fundado por Benito Mussolini que combatia a organização camponesa e os sindicatos, como a "Liga". Era a ascensão do fascismo, cujo ambiente hostil que ajudou a criar, não tardaria em produzir violência e mortes.

Os fascistas são apresentados como pessoas desumanas, autoritárias, ambiciosas, egoístas e altamente violentas. Attila, cão de guarda dos seus patrões, é a encarnação perfeita dessa relação perversa que o autor, posicionado ideologicamente na obra, estabelece enquanto visão sobre o totalitarismo.

Ao assumir a fazenda após a morte do pai, Alfredo Berlinghieri viverá uma profunda contradição entre a nova condição de proprietário e o prazer pela liberdade que outrora gozava, referenciada pelo seu tio, Leo, o qual representava uma antítese ao modo de vida dos demais membros da família. Essa contradição só será resolvida, após a derrocada do fascismo e da autoridade de Alfredo sobre a fazenda, com seu suicídio nos trilhos da linha do trem.

É um filme politicamente engajado, por isso não foi bem recebido nos Estados Unidos e, aqui no Brasil, a censura promoveu-lhe cortes separando-o em duas partes para ser transmitido nos cinemas. A trilha sonora de Ennio Morricone e a fotografia dessa produção filmada em Emília (Itália) são espetáculos à parte de uma obra-prima que vale a pena ser degustada pelo seu conjunto.

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