O
modelo dominante de explicação do capitalismo sugere que seu
advento foi o resultado natural de práticas humanas que de tão
antigas quase se interligam com o interlúdio da espécie sobre a
terra. Chamado de modelo
mercantil
do desenvolvimento econômico, essa teoria não torna necessário
explicar o capitalismo, já que sua formulação consiste de que ele
existiu de forma embrionária desde o princípio da história
internalizado na natureza e na racionalidade humana. Compõem essa
vertente Adam Smith, Weber, dentre outros.
Na
nova
onda da sociologia histórica,
Michael Mann adotou um “viés teleológico” para constatar que o
capitalismo industrial já estava contidos nos arranjos sociais da
Europa medieval. Para ele, a força impulsionadora do desenvolvimento
da Europa situa-se no progresso tecnológico e na expansão
mercantil, reforçando, na realidade, o argumento mercantil – a
liberdade para o capitalismo de se desenvolver dado que uma
organização acéfala, o feudalismo, concedeu a vários agentes um
substancial grau de autonomia.
Para
Karl Polanyi, a motivação do lucro individual associada às trocas
no mercado nunca foi um princípio a desempenhar dominação sobre a
vida econômica nas sociedades pré-capitalistas. Ainda nos mercados
mais bem desenvolvidos, as relações e práticas econômicas se
inseriam em relações dissociadas da questão econômica, interligadas por questões de parentesco, comunidade, religião e
política. Eram outros os impulsos à atividade econômica, como a
conquista de status e prestígio ou a manutenção da solidariedade
comunitária. Até as formas de comércio entre a cidade e o campo ou
entre as zonas climáticas se davam sob forma complementar e não
competitiva. Com os mercados internos nacionais é que as trocas se
constituiriam por princípios competitivos.
O
ponto crítico de sua teoria reside na impossibilidade de se admitir
o mercado capitalista como uma forma social específica. Os
imperativos do mercado capitalista – as pressões da acumulação e
da produtividade crescente do trabalho – são, para Polanyi,
resultados de aperfeiçoamentos tecnológicos que parecem mais ou
menos inevitáveis e não como relações sociais específicas.
Segundo
os teóricos marxistas Dobb e Hilton, não foi o comércio que
dissolveu o feudalismo, mesmo porque o comércio e as cidades não
eram intrinsecamente antagônicos ao regime feudal. A centralidade
estaria, portanto, nas próprias relações primárias de propriedade
do sistema feudal e na luta de classes engendrada nesse processo.
Isso é importante porque se a dissolução do feudalismo fosse
suficiente para explicar a ascensão do capitalismo, novamente
estaríamos diante do pressuposto do modelo mercantil.
Perry
Anderson argumentou que no feudalismo os poderes estatais eram
desempenhados pelo poder senhorial, que unificava em torno de si a
opressão política, jurídica e militar – por onde se mediava a
apropriação do excedente econômico dos camponeses que lhes eram
dependentes. Na servidão, “se fundiam a exploração econômica e
a coerção político-jurídica”. Esses laços feudais foram
fragilizados pela superação dos tributos feudais diante do
crescimento da economia mercantil, resultando, diante de um risco de
desintegração da unidade opressiva política e econômica, na
centralização da coerção política e jurídica em torno de uma
cúpula centralizada e militarizada - o Estado absolutista.
A
discordância empírica de Ellen Wood frente a essa bordagem é a de
que o absolutismo não deu origem ao capitalismo. A Inglaterra, seu
nascedouro, não se beneficiou dele, enquanto na França, o
absolutismo não refletiu em capitalismo. Para a autora, o
absolutismo tornara-se uma rota alternativa ao feudalismo, mas não
sua fase transicional.
Capitalismo
como resultado de relações sociais, contradições e lutas
historicamente específicas
O
teórico marxista Brenner negou a existência do capitalismo em
confrontação com o feudalismo, ainda que de forma embrionária.
Segundo ele, camponeses e senhores dispararam a dinâmica
capitalista, involuntariamente, no conflito de classes, no ato de sua
reprodução subordinando os produtores (trabalhadores) aos
imperativos do mercado. Na Inglaterra havia uma grande proporção de
terras pertencentes aos senhores sob o arrendamento de trabalhadores.
Aí haveria o princípio da compulsão – “um número crescente de
arrendatários que estavam submetidos à necessidade de se
especializarem para o mercado e produzirem de forma competitiva para
garantir o acesso aos meios de subsistência”. O sistema estatal e
o de comércio proveniente da Inglaterra teriam sido instrumentos
para desenvolver o capitalismo e transmitir suas pressões
competitivas a outros Estados e economia, de tal forma que os demais
países formaram um elo para o desenvolvimento capitalista.
A
classe dominante inglesa – a aristocracia – não detinha poderes
“extra-econômicos” (força militar, por exemplo) de forma a utilizar a coerção direta para
aumentar a renda proveniente da terra, dependendo então mais do
aumento da produtividade dos arrendatários. A segurança do
arrendamento dependia da capacidade de pagar o aluguel vigente, e a
produção não competitiva poderia levar à perda da terra. O seu
desenvolvimento explica a diferença
entre o mercado como oportunidade e o mercado como imperativo.
Na outra ponta, os aristocratas rentistas tradicionalmente usaram a
simples coação, ampliando seu poder de extorsão do excedente não
pelo aumento da produtividade dos produtores, mas por meio dos seus
próprios poderes coercitivos – militares, jurídicos e políticos.
Segundo
Wood, a unificação inglesa tornou-se intensa a partir do século
XI, momento em que os normandos, classe dominante, estabeleceram-se
na ilha como uma organização coesa do ponto de vista militar e
político. Havia uma concentração de poder cada vez maior no
governo central, alcançada por uma base material de estradas,
transporte de água, etc, o que possibilitou um grau incomum de
unificação. Na França o controle da propriedade pelos camponeses
era mais forte e por isso eles foram capazes de resistir às pressões
dos grandes proprietários. A renda advinda da terra era resultado de uma
taxa nominal e seria possível esperar que lá houvesse um estímulo
à indústria, mas foi a renda não fixa e variável na Inglaterra,
subordinada aos imperativos do mercado, que despertou o
desenvolvimento da produção mercantil.
É
sob o capitalismo que a mediação entre produtores e apropriadores é
realizada pelo mercado, que assume nesse modo de produção uma
função distintiva, nunca alcançada até então. Assim como
os trabalhadores dependem do mercado para a venda da sua mão de obra
enquanto mercadoria, os capitalistas dele necessitam para comprar a
força de trabalho e os meios de produção de que demandam para
realizar os seus lucros. Essa dependência conduz a requisitos e
compulsões específicos: imperativos da competição, da acumulação
e da maximização do lucro.
O
comércio no século XVII, embora vasto, não se orientava pela
competição e acumulação, guiando-se pela compra barata e a venda
cara. Sustentava-se por um comércio
de transporte:
os mercadores compravam a mercadoria em um lugar e a vendiam em outro
com lucro. O mercado não visava a produção, mas a circulação.
Diante
de um sistema competitivo, os proprietários menos competitivos
migravam à classe dos não-proprietários. Os imperativos do mercado
polarizaram num ritmo cada vez maior a sociedade inglesa entre uma
pequena parcela de proprietários frente à multidão de
não-proprietários. Ampliando-se o número de trabalhadores
assalariados, as pressões por um aumento de produtividade da mão de
obra tornaram-se maiores, resultando numa agricultura muito
produtiva, dando suporte à existência de uma parte da população
que não precisava se dedicar à produção agrícola, constituindo
força de trabalho assalariada e potencial de mercado interno para
consumir produtos baratos. Esses são os antecedentes que permitiram
a constituição do capitalismo industrial inglês.
Modernidade
e Pós-Modernidade
A
autora afirma que a racionalização e organização burocrática, ao
contrário do que se pensa, não foi obra de Max Weber, mas do
Iluminismo que surge na França: padrões intelectuais e culturais,
obsessão pelo planejamento racional, visão totalizante do mundo,
saber padronizado, crença no progresso linear, particularmente da
razão e da liberdade. Sua origem é a burguesia francesa (que não
era uma classe capitalista, mas de detentores de cargos públicos,
profissionais liberais, intelectuais, etc), cujo conflito com a
aristocracia não tinha relação com o capitalismo.
Quais
eram as expressões culturais e ideológicas do capitalismo nascente
naquele mesmo período? Não era o racionalismo cartesiano, mas a
“mão invisível” afirmada pelos economistas clássicos e
filósofos do empirismo britânico. A ideologia era a do
“melhoramento”, a melhor utilização produtiva das terras, a
ética do lucro, a desapropriação, etc.
A
pós-modernidade é marcada pelas formações culturais cujo traço
mais destacado é o questionamento ao “projeto iluminista”,
analisando o mundo como fragmentado, indeterminado, em oposição ao
discurso totalizante. É averso a qualquer projeto político
universalista, inclusive os emancipatórios. Essa é uma ideia que
torna o capitalismo historicamente invisível, ou mesmo natural.
A
expansão dos imperativos capitalistas ampliaram seu alcance. As
relações de exploração e exploradores são agora relações de
países imperialistas e países subordinados. Termos como socialismo
de mercado ou mercado social/democrático não são possíveis. A
história do capitalismo agrário e seu resultado deixam claro que,
com os imperativos de mercado regulando a economia e a reprodução
da sociedade, nada escapa à exploração.
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