quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

RESUMO: A origem do capitalismo (Ellen Wood, 1999)

O modelo dominante de explicação do capitalismo sugere que seu advento foi o resultado natural de práticas humanas que de tão antigas quase se interligam com o interlúdio da espécie sobre a terra. Chamado de modelo mercantil do desenvolvimento econômico, essa teoria não torna necessário explicar o capitalismo, já que sua formulação consiste de que ele existiu de forma embrionária desde o princípio da história internalizado na natureza e na racionalidade humana. Compõem essa vertente Adam Smith, Weber, dentre outros.

Na nova onda da sociologia histórica, Michael Mann adotou um “viés teleológico” para constatar que o capitalismo industrial já estava contidos nos arranjos sociais da Europa medieval. Para ele, a força impulsionadora do desenvolvimento da Europa situa-se no progresso tecnológico e na expansão mercantil, reforçando, na realidade, o argumento mercantil – a liberdade para o capitalismo de se desenvolver dado que uma organização acéfala, o feudalismo, concedeu a vários agentes um substancial grau de autonomia.

Para Karl Polanyi, a motivação do lucro individual associada às trocas no mercado nunca foi um princípio a desempenhar dominação sobre a vida econômica nas sociedades pré-capitalistas. Ainda nos mercados mais bem desenvolvidos, as relações e práticas econômicas se inseriam em relações dissociadas da questão econômica, interligadas por questões de parentesco, comunidade, religião e política. Eram outros os impulsos à atividade econômica, como a conquista de status e prestígio ou a manutenção da solidariedade comunitária. Até as formas de comércio entre a cidade e o campo ou entre as zonas climáticas se davam sob forma complementar e não competitiva. Com os mercados internos nacionais é que as trocas se constituiriam por princípios competitivos.

O ponto crítico de sua teoria reside na impossibilidade de se admitir o mercado capitalista como uma forma social específica. Os imperativos do mercado capitalista – as pressões da acumulação e da produtividade crescente do trabalho – são, para Polanyi, resultados de aperfeiçoamentos tecnológicos que parecem mais ou menos inevitáveis e não como relações sociais específicas.

Segundo os teóricos marxistas Dobb e Hilton, não foi o comércio que dissolveu o feudalismo, mesmo porque o comércio e as cidades não eram intrinsecamente antagônicos ao regime feudal. A centralidade estaria, portanto, nas próprias relações primárias de propriedade do sistema feudal e na luta de classes engendrada nesse processo. Isso é importante porque se a dissolução do feudalismo fosse suficiente para explicar a ascensão do capitalismo, novamente estaríamos diante do pressuposto do modelo mercantil.

Perry Anderson argumentou que no feudalismo os poderes estatais eram desempenhados pelo poder senhorial, que unificava em torno de si a opressão política, jurídica e militar – por onde se mediava a apropriação do excedente econômico dos camponeses que lhes eram dependentes. Na servidão, “se fundiam a exploração econômica e a coerção político-jurídica”. Esses laços feudais foram fragilizados pela superação dos tributos feudais diante do crescimento da economia mercantil, resultando, diante de um risco de desintegração da unidade opressiva política e econômica, na centralização da coerção política e jurídica em torno de uma cúpula centralizada e militarizada - o Estado absolutista.

A discordância empírica de Ellen Wood frente a essa bordagem é a de que o absolutismo não deu origem ao capitalismo. A Inglaterra, seu nascedouro, não se beneficiou dele, enquanto na França, o absolutismo não refletiu em capitalismo. Para a autora, o absolutismo tornara-se uma rota alternativa ao feudalismo, mas não sua fase transicional.

Capitalismo como resultado de relações sociais, contradições e lutas historicamente específicas

O teórico marxista Brenner negou a existência do capitalismo em confrontação com o feudalismo, ainda que de forma embrionária. Segundo ele, camponeses e senhores dispararam a dinâmica capitalista, involuntariamente, no conflito de classes, no ato de sua reprodução subordinando os produtores (trabalhadores) aos imperativos do mercado. Na Inglaterra havia uma grande proporção de terras pertencentes aos senhores sob o arrendamento de trabalhadores. Aí haveria o princípio da compulsão – “um número crescente de arrendatários que estavam submetidos à necessidade de se especializarem para o mercado e produzirem de forma competitiva para garantir o acesso aos meios de subsistência”. O sistema estatal e o de comércio proveniente da Inglaterra teriam sido instrumentos para desenvolver o capitalismo e transmitir suas pressões competitivas a outros Estados e economia, de tal forma que os demais países formaram um elo para o desenvolvimento capitalista.

A classe dominante inglesa – a aristocracia – não detinha poderes “extra-econômicos” (força militar, por exemplo) de forma a utilizar a coerção direta para aumentar a renda proveniente da terra, dependendo então mais do aumento da produtividade dos arrendatários. A segurança do arrendamento dependia da capacidade de pagar o aluguel vigente, e a produção não competitiva poderia levar à perda da terra. O seu desenvolvimento explica a diferença entre o mercado como oportunidade e o mercado como imperativo. Na outra ponta, os aristocratas rentistas tradicionalmente usaram a simples coação, ampliando seu poder de extorsão do excedente não pelo aumento da produtividade dos produtores, mas por meio dos seus próprios poderes coercitivos – militares, jurídicos e políticos.

Segundo Wood, a unificação inglesa tornou-se intensa a partir do século XI, momento em que os normandos, classe dominante, estabeleceram-se na ilha como uma organização coesa do ponto de vista militar e político. Havia uma concentração de poder cada vez maior no governo central, alcançada por uma base material de estradas, transporte de água, etc, o que possibilitou um grau incomum de unificação. Na França o controle da propriedade pelos camponeses era mais forte e por isso eles foram capazes de resistir às pressões dos grandes proprietários. A renda advinda da terra era resultado de uma taxa nominal e seria possível esperar que lá houvesse um estímulo à indústria, mas foi a renda não fixa e variável na Inglaterra, subordinada aos imperativos do mercado, que despertou o desenvolvimento da produção mercantil.

É sob o capitalismo que a mediação entre produtores e apropriadores é realizada pelo mercado, que assume nesse modo de produção uma função distintiva, nunca alcançada até então. Assim como os trabalhadores dependem do mercado para a venda da sua mão de obra enquanto mercadoria, os capitalistas dele necessitam para comprar a força de trabalho e os meios de produção de que demandam para realizar os seus lucros. Essa dependência conduz a requisitos e compulsões específicos: imperativos da competição, da acumulação e da maximização do lucro.

O comércio no século XVII, embora vasto, não se orientava pela competição e acumulação, guiando-se pela compra barata e a venda cara. Sustentava-se por um comércio de transporte: os mercadores compravam a mercadoria em um lugar e a vendiam em outro com lucro. O mercado não visava a produção, mas a circulação.

Diante de um sistema competitivo, os proprietários menos competitivos migravam à classe dos não-proprietários. Os imperativos do mercado polarizaram num ritmo cada vez maior a sociedade inglesa entre uma pequena parcela de proprietários frente à multidão de não-proprietários. Ampliando-se o número de trabalhadores assalariados, as pressões por um aumento de produtividade da mão de obra tornaram-se maiores, resultando numa agricultura muito produtiva, dando suporte à existência de uma parte da população que não precisava se dedicar à produção agrícola, constituindo força de trabalho assalariada e potencial de mercado interno para consumir produtos baratos. Esses são os antecedentes que permitiram a constituição do capitalismo industrial inglês.

Modernidade e Pós-Modernidade

A autora afirma que a racionalização e organização burocrática, ao contrário do que se pensa, não foi obra de Max Weber, mas do Iluminismo que surge na França: padrões intelectuais e culturais, obsessão pelo planejamento racional, visão totalizante do mundo, saber padronizado, crença no progresso linear, particularmente da razão e da liberdade. Sua origem é a burguesia francesa (que não era uma classe capitalista, mas de detentores de cargos públicos, profissionais liberais, intelectuais, etc), cujo conflito com a aristocracia não tinha relação com o capitalismo.

Quais eram as expressões culturais e ideológicas do capitalismo nascente naquele mesmo período? Não era o racionalismo cartesiano, mas a “mão invisível” afirmada pelos economistas clássicos e filósofos do empirismo britânico. A ideologia era a do “melhoramento”, a melhor utilização produtiva das terras, a ética do lucro, a desapropriação, etc.

A pós-modernidade é marcada pelas formações culturais cujo traço mais destacado é o questionamento ao “projeto iluminista”, analisando o mundo como fragmentado, indeterminado, em oposição ao discurso totalizante. É averso a qualquer projeto político universalista, inclusive os emancipatórios. Essa é uma ideia que torna o capitalismo historicamente invisível, ou mesmo natural.

A expansão dos imperativos capitalistas ampliaram seu alcance. As relações de exploração e exploradores são agora relações de países imperialistas e países subordinados. Termos como socialismo de mercado ou mercado social/democrático não são possíveis. A história do capitalismo agrário e seu resultado deixam claro que, com os imperativos de mercado regulando a economia e a reprodução da sociedade, nada escapa à exploração.

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